O RATO DA BIBLIOTECA
Essa coisa começou num sábado à tarde.
Eu tinha acabado de ler A Revolução dos Bichos, um livro beleza, que todo mundo devia ler. Ele mostra como o poder faz mudar a cabeça de quem chega lá. Fui à biblioteca da cidade para trocar por outro e só estava a recepcionista. O resto da cidade devia estar passeando no shopping, ou vendo televisão em casa, perdendo tempo precioso, enfim. Deixei o livro no balcão e fui para a estante escolher outro. Gosto de apalpar e sentir o livro antes de pegar para ler. Foi aí que ouvi aquela voz, meio fanhosa, meio rouca:
– Oi, Ernesto! Está virando rato de biblioteca?
Olhei para um lado e outro, espiei por trás das estantes, e não vi ninguém. Ouvi então uma risadinha de quem tira sarro:
– Não adianta procurar, você não vai me ver.
– Quem é você?
– Sou o rato de biblioteca. – Fez uma pausa e emendou: – Desta biblioteca, para ser mais preciso.
Dei mais uma olhada. Podia haver alguém atrás da cortina, quem sabe enfiado em cima de uma estante. Nada. Ninguém.
– E ratos falam? – perguntei, começando a duvidar do meu juízo.
– Você não acabou de ler um livro em que a bicharada toda fala? Aliás, se posso colocar um reparo nessa história do George Orwell, é que ele não pôs nenhum rato falando. Um rato, modéstia de lado, podia ter mudado o rumo da história. Não ia ser como aquela gata que não saía de cima do muro, sem decidir de que lado ficava. Esopo foi mais simpático. Na história do rato e do leão… – Interrompeu-se a seguir emendou: – É verdade que ele escreveu também a história da assembleia dos ratos, quando decidiram pôr uma sineta no pescoço do gato.
Vi que histórias de rato, ao menos, ele tinha lido todas.
– O que mais você leu?
– Tudo! – a voz dele quase virou um guincho. – Tudo!
Aí eu já tinha resolvido aceitar a loucura ou o que estivesse acontecendo e perguntei:
– Como é o seu nome?
– Você escolhe – e riu de novo com aquele guincho de excitação. -Pode escolher o nome do milhão que tem aqui. De um autor: Homero, Sófocles, Dante; ou de um personagem: Aquiles, Édipo, Beatriz.
– Beatriz também? – quase guinchei como ele.
– E qual é o problema? Ou acha que Dante não tinha uma parte de Beatriz nele?
– E como sabe o meu nome?
– Eu já disse. Li tudo. Li também o livro de registro da biblioteca.
Mas me sentia incômodo ouvindo aquela voz sem saber de onde saía. Se ao menos tivesse uma dica para imaginar como era o rato, ficaria mais fácil. E perguntei:
– Como é que você é? Na aparência.
– Mania de vocês quererem fotografia de tudo. Bastam as palavras. Com as palavras você pode imaginar. Como é que você me imagina? Usa a imaginação!
Embatuquei. Mas ele tinha me dado uma pista. Se o nome dele podia ser o de qualquer dos livros da biblioteca, a aparência dele seria de acordo com o nome. Arrisquei:
– Você é Horácio e está vestindo uma toga romana…
– Carpe diem! – riu-se ele. – é uma boa escolha! Mas que seja uma toga folgada, que não gosto de aperto.
Este blog me fazia falta!!!! Vai ter sugestões de leitura com comentários?
CurtirCurtir
Boa dica! Vamos providenciar!
CurtirCurtir