Numa entrevista que concedeu à televisão, o poeta Drummond de Andrade foi perguntado sobre sua outra faceta literária, a de cronista. Que importância dava o escritor para a crônica de jornal, quis saber o entrevistador. Para surpresa de quem lê seus versos contidos, de poucas palavras, Drummond se tornou de repente loquaz, em tom de desabafo, como se tivesse sido provocado a falar de um assunto sobre o qual nunca ninguém lhe perguntara.
Para começar, Drummond fez uma reivindicação: a de que a crônica cotidiana merecia mais atenção da parte de quem estuda a literatura e a sociedade. A crônica devia ser vista como uma auxiliar da História, porque o cronista costuma por o acento em temas a que o historiador jamais daria a menor importância.
Depois de ver o tamanho da sua afirmação, Drummond recuou um passo, como bom mineiro. Que os historiadores o entendessem bem, ele não estava querendo dividir território. Também não tinha a pretensão de ser um colaborador da História. Apenas achava que certas coisas que não aparecem na História podem aparecer numa crônica. E deu um exemplo.
Um dia desses, contou, viu na rua, no Rio de Janeiro, uma moça comendo uma espiga de milho verde. Escreveu então uma crônica relatando a cena, com a convicção de estar registrando algo da maior importância para alguém, no futuro, entender a cidade do Rio: uma cidade cosmopolita onde uma bela moça sai pela rua metendo os dentes numa espiga de milho.
Tinha razão Drummond. A entrada do bonde elétrico, nessa mesma cidade do Rio, levou Machado de Assis a escrever uma crônica inesquecível sobre algo a que nenhum historiador deu atenção: o destino dos burros, tirados das ruas em consequência da inovação tecnológica.
Com apoio nos cronistas de jornal é possível hoje reconstituir ambientes de épocas passadas em outra perspectiva, com imagens, cheiros, sabores. Disso surgiu um novo gênero que hoje faz sucesso: escrever a História em tom de reportagem, incluindo coisas miúdas: como queria Drummond, que escreveu mais de duas mil crônicas publicadas no Jornal do Brasil, três dias por semana, ao longo de quinze anos…