A QUARTA IDADE

Norberto Bobbio, o grande jurista e filósofo do Piemonte, escreveu aos 85 anos um livro com o título De senectute (isto é, “Sobre a velhice”), que foi publicado em português com o título aguado de Tempo da Memória (1997), ou para evitar o latim, talvez demasiado erudito para os novos, ou para não ferir suscetibilidades dos velhos, que não gostam que se use a palavra velhice. Quer dizer, até na tradução do título de um livro sobre a velhice, o jogo do poder se faz presente, de forma camuflada.

Pois bem, nesse texto Bobbio começa dizendo que mesmo a quantidade de anos para alguém ser considerado velho mudou, desde que Cícero escreveu o seu De senectute:

“Aqueles que escreveram obras sobre a velhice, a começar por Cícero, tinham por volta de sessenta anos. Hoje, um sexagenário está velho apenas no sentido burocrático, porque chegou à idade em que geralmente tem direito a uma pensão. O octogenário, salvo exceções, era considerado um velho decrépito, de quem não valia a pena se ocupar. Hoje, ao contrário, a velhice, não burocrática mas fisiológica, começa quando nos aproximamos dos oitenta […]”. 

A mudança é tanta que, diz ele, não se fala mais em terceira, mas em quarta idade. No seu modo peculiar de pensar geometricamente, Bobbio caracteriza três tipos de velhice: a burocrática, a biológica e a psicológica (que para ele, observa com humor, começou ainda na juventude!). A esses três tipos, eu acrescentaria um quarto: a velhice como representação cultural. 

É no plano da prevenção e da recuperação do envelhecimento biológico que o conhecimento humano tem obtido mais êxitos. A medicina deslocou a idade da velhice em pelo menos vinte anos, com promessa de prolongar ainda mais essa passagem. E é a medicina que vem ampliando as possibilidades do que se convencionou chamar de “qualidade de vida” nessa fase. O envelhecimento psicológico também vem sendo objeto de estudos e de procedimentos que permitem manter ou recuperar o “espírito de juventude”. Já no plano da representação cultural da velhice parece que se acumulam apenas perdas: para usar a expressão dolorida de Bobbio, nosso tempo é o tempo da “velhice ofendida”.

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