Há quem entenda que um escritor nunca deva dizer de suas intenções, e que o trabalho de descobri-las compete ao leitor. Mas tantos perguntam sobre o que pretendi alcançar com a minha obra que não fujo de dizer quais as minhas intenções, ou o que penso sejam elas.
Ao definir o projeto (tratou-se de fato de um projeto) de uma trilogia narrativa sobre o tema da imigração italiana no Sul do Brasil, orientei-me por dois intuitos principais: o primeiro, que poderia ser caracterizado como de ordem política, era o de dar relevo na literatura e, por extensão, na cultura nacional brasileira, à contribuição do imigrante italiano para a construção de nossa nacionalidade; o segundo, de ordem propriamente estética, era o de recuperar, de forma a que pudesse atingir fundo a sensibilidade dos leitores, a intensa e complexa experiência humana de abandonar um mundo conhecido e construir outro mundo em lugar não conhecido. Experiência intensa e complexa no plano da emoção, da fantasia, da razão, da vontade e, na base de tudo, uma experiência dos sentidos corporais.
O projeto foi o de uma trilogia “generacional”: três gerações sucessivas de personagens, cada uma delas com foco num drama diferente. Mas como cada personagem podia viver simultaneamente três gerações – neto, pai e avô, em várias combinações – as possibilidades de cruzamento de pontos de vista abriam-se de forma quase inumerável. Até mesmo o padre Giobbe, sem filhos, percorrendo as três gerações, tornou-se um espectador privilegiado do drama próprio de cada uma delas, capaz de estabelecer comparações e assegurar a continuidade ao longo do tempo.
A primeira geração – objeto da narrativa de “A cocanha” – é a que vive a dupla experiência de arrancar raízes no velho mundo conhecido e plantar raízes no novo mundo desconhecido. Experiência que será diferente para o velho, para o jovem e a criança. Diferente para o homem e para a mulher. Para o alfaiate esclarecido e para o camponês que nunca tirou os pés do chão. Mas preferi privilegiar o ponto de vista da mulher, ou das mulheres. Até para evitar certa soberba épica, e infantil, do mundo masculino. Elas têm sonhos, mas nenhuma delas é sonhadora a ponto de imaginar que os capões cairão do céu, assados, sobre as mesas. Para mim, a cena de maior significado em todo o drama da travessia de um mundo para o outro se resume no sentimento de Rosa ao pisar a ponte de madeira que vai levá-la ao navio de partida para a América. O que sente ela? Alguma emoção de grandeza épica? Não, ela sente medo de cair na água que se agita e a deixa tonta. Simples assim. Grandioso assim.
Depois conto o resto.