O ELOGIO DO ÓCIO

Há nas livrarias uma coleção de ensaios de Bertrand Russell, com o estapafúrdio título de “O Elogio ao Ócio”. O livro de Erasmo, desde a renascença, é publicado com o nome de “Elogio da Loucura”. E um de Norberto Bobbio circula em português com o título correto de “Elogio da Serenidade”. O tradutor, o editor e o revisor que pespegaram a preposição “a”, no lugar da preposição “de”, no livro de Bertrand Russell, estão precisando de um pouco de ócio, talvez, para reaprenderem a língua nacional. Aliás, há jornais por aí cheios de preposição “a” a torto e a direito, quando o editor, ou o revisor, não se dão o trabalho de verificar as regras de regência.

         Ao fazer seu elogio do ócio, Russell não receia ser radical: “Eu acho que se trabalha demais no mundo de hoje (o ensaio é de 1935), que a crença nas virtudes do trabalho produz males sem conta e que nos modernos países industriais é preciso lutar por algo totalmente diferente”. Socialista de carteirinha, Russell entendia que a luta da classe operária para ter emprego e trabalho estava totalmente errada. A luta certa devia ser para os trabalhadores conquistarem seu direito ao ócio e, assim, terem melhor qualidade de vida.

         Anos atrás, em palestra que fiz como convidado numa pequena cidade da região, alguém do público, na hora das perguntas, quis saber a minha opinião sobre qual a principal virtude da cultura do imigrante italiano. A resposta era óbvia, e eu a dei: a principal virtude da gente desta região de origem italiana é a dedicação ao trabalho.

Não satisfeito, o mesmo cidadão resolveu me cobrar: e qual o maior defeito da cultura desta região? Dei a resposta que me pareceu a mais óbvia no momento: o maior defeito é o excesso de valorização do trabalho, que obriga a ficar em plano inferior outras necessidades da pessoa. O público riu, diante do que parecia uma imensa contradição. Mas tenho certeza de que boa parte riu porque descobriu uma verdade. Como observou Chesterton, outro pensador inglês com a mesma verve de Russell, os defeitos são virtudes que se tornaram exageradas. Virtudes que enlouqueceram, é a sua expressão fiel.

Ao jantar, o prefeito da cidade encenou uma reclamação comigo: como é que eu podia dizer que trabalhar muito era um defeito, se ele vivia pregando exatamente o contrário. Mas seus argumentos não foram muito longe quando lhe perguntei se ele teria chegado a ser prefeito se passasse o dia inteiro trabalhando. Ele riu e entregou os pontos. Também para exercer a atividade política e, em última análise, a cidadania, o ócio é indispensável.

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