O QUE É SÓLIDO DESMANCHA

“Tudo o que é sólido desmancha no ar”. Essa frase do Manifesto Comunista de 1848 dava idéia de como Marx e Engels estavam espantados com as mudanças que começavam a ser introduzidas pela modernidade. Uma frase mais profética do que real: o mundo estava ainda muito sólido naquele ano do Manifesto. Um século e meio depois, sim, não há quem não perceba que tudo o que era sólido está desmanchando num grau que nenhum dos dois autores da metáfora conseguiria imaginar. No tempo de Marx e Engels, eram velhas instituições que vinham abaixo para dar lugar a outras tidas como modernas. Hoje é a própria idéia de instituição que corre perigo de desmanchar.

         O sociólogo Alain Touraine, num ensaio recente, introduziu o conceito de “dessocialização” para descrever de que forma os padrões convencionais de organização social estão se desfazendo. Não se trata apenas da “anomia”, ou ausência de regras que garantam o funcionamento da sociedade com o mínimo de conflitos. Não são apenas regras que faltam. Falta é sociedade.

         Outro dia, em sala de aula, meus alunos fizeram um breve exercício para verificar que instituições ainda estariam sobrevivendo, neste início de século, para assegurar um mínimo de agregação social. O resultado foi melancólico. Não há instituição que não esteja sendo agredida e esvaziada de alguma forma: a família, a escola, a igreja, o estado, até mesmo os clubes de futebol. Nem mesmo a universidade foge a esse quadro geral. Hoje fala-se abertamente em “naufrágio” da universidade, pelo menos daquela que foi construída ao longo de quase um milênio, também ela condenada, ao que parece, a ser substituída por algo bem menos sólido.

         Diante de tantas constatações desalentadoras, é inevitável a pergunta: o que virá depois disso? Como sempre ocorre em situações caóticas, ou pelo menos problemáticas, a tendência é a de dar respostas extremadas. Uma é pensar que a dessocialização possa abrir espaço para que o indivíduo, finalmente livre de todas as convenções, possa marchar soberano, sem dar satisfações a nada e a ninguém. Outra resposta seria exatamente a oposta. A de imaginar que o espaço do indivíduo, de alguma forma preservado pelas instituições que ora desmancham definitivamente no ar, termine totalmente eliminado por uma ou mais formas de totalitarismo. Algumas dessas formas totalitárias estão, por sinal, dando o ar de sua desgraça. Cada uma delas tem potencial suficiente para suprimir o espaço da individualidade. Aí estão, por exemplo, o fundamentalismo, o terrorismo, o mercado, a realidade virtual.

         Diante do prenúncio de tantas catástrofes que ameaçam o futuro da humanidade, sobra o consolo da esperança. De uma réstia de esperança de não estarmos marchando, solidários, para o suicídio. Talvez ainda reste um pouco de bom senso no planeta.

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