Padre Giobbe pôs em operação, item por item, seu método para descer do automóvel, como se tivesse o corpo dividido em partes. Escancarou a porta, pôs para fora a bengala e depois, com os dois pés no estribo, girou sobre as nádegas o corpo velho e pesado. Segurou-se então com força na bengala e deu um impulso continuado nas pernas, escorregando aos poucos do assento. Finalmente encontrou-se de pé na calçada. Só não conseguiu conter o gemido.
Voltou-se e viu o sorriso de Ambrósio. Zombava de seus achaques de velho? Não. O sacristão ficava com esse ar superior sempre que usava o boné de chofer. Parecia se resignar ao ofício de ajudante da missa para ter seus momentos de glória como chofer, e ao mesmo tempo mecânico, da paróquia. Seu sorriso beatífico era o de quem se deliciava com um pecado secreto. É assim, o prazer mundano sempre encontra uma brecha por onde se insinuar, pensou padre Giobbe. Lidava há muitos anos com o Maligno para se deixar enganar por seus truques. De tanto encontrá-Lo, enfiado nas dobras das almas mais virtuosas, havia entre eles uma quase camaradagem de velhos inimigos. Às vezes, o Senhor o perdoasse, tinha a impressão de sentir-se mais à vontade falando com Ele do que com Deus. Quando o apanhavam falando sozinho, padre Giobbe costumava dizer que estava falando com o diabo. Riam, achando que era brincadeira. Se soubessem… Mas era no que podia dar uma tão longa convivência.
Trecho de “A Babilônia” da trilogia “O Quatrilho”