CARANDIRU

Seguidamente visito escolas pelo Rio Grande afora, de Iraí ao Chuí, e acabo vendo e ouvindo coisas lá dentro da cozinha, como se diz. Sou convidado, como seria de esperar, para falar (bem) de minha obra e contar curiosidades do making of de um escritor. Mas sempre uma professora, ou mais raramente a diretora (há poucos homens dentro das escolas), vêm me encarecer que fale sobre a necessidade da leitura, porque elas insistem nisso sem resultado, e esperam que um santo de fora faça milagre. Dou meu recado, também sem muita fé, mas assim mesmo me agradecem sorridentes.

         Além da inapetência para ler, outro problema que provoca comentários amargos é o esvaziamento da autoridade escolar. A queixa é de ser quase impossível manter a disciplina na escola quando a professora pode ser chamada ao conselho tutelar por dá cá aquela palha, ou quando a diretora pode ser convocada pela secretaria de educação para receber a ordem de suspender a suspensão de um aluno. Um princípio que eu achava que era sagrado em educação – o da autonomia do educador – parece ir-se também pelo ralo, nesta época em que vão no mesmo saco democracia e quebra da autoridade. Eleição de diretor é apenas outra concessão demagógica, como dizia Darci Ribeiro, para destruir a relação educativa da escola: quem sabe a gente vai fundo nisso e faz logo uma lei para os filhos votarem quem querem ter como pais?

         Estive também em escolas particulares. Neste campo, o drama é igualmente visível: os colégios mais tradicionais, em quase todas as cidades, vão um por um fechando as portas. O lugar deles é ocupado por outras escolas particulares, com um perfil diferente: têm “leigos” à sua frente, têm regras que todos devem respeitar, os alunos são exigidos a cumprir metas de aprendizagem e, em muitos casos, até uniforme escolar é imposto: ele não é visto como um trambolho autoritário, mas uma vestimenta igualitária. O diretor de um desses empreendimentos vitoriosos me sussurrou a sua receita: “Passamos longe dessas pedagogias modernas, em que o aluno é quem manda. Os pais querem escolas em que os filhos tenham que entrar nos eixos”. Era o que uma vez se esperava do quartel, pensei. E, como não há mais quartéis…

         A mesma coisa vi numa escola pública estadual. Mais de dois mil alunos, professores empolgados com seu trabalho, alunos interessados que me crivaram de perguntas. Quis saber qual era o segredo: “Aqui há regras e todos têm que cumpri-las”, me disse uma assistente da direção. E me contou que dias antes tinha chamado um aluno e cobrado dele o descumprimento de uma regra da escola. O aluno reagiu furioso: “Isto aqui é um Carandiru!” A professora não se abalou: “Se acha que isto é um Carandiru, não tem grade na porta, pode sair”. O aluno assustou-se: “Não, profe, eu estava brincando, não quero sair daqui não”. A moral dessa pequena história é clara: o aluno pode chamar sua escola de Carandiru porque gosta de agredir com palavras, é próprio da idade, mas ele precisa sentir segurança nesses carandirus.

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