CHINESARIA

Shan Sa era uma garota de 16 anos que fazia poemas, em Pequim, quando o regime mandou metralhar 5 mil estudantes na praça da Paz Celestial, em junho de 1986. A imagem que correu mundo, do estudante solitário desafiando um tanque que avançava sobre ele, num daqueles dias da revolta estudantil, ficará como a melhor imagem já vista do confronto entre o poder assustado e a juventude destemida.

         No dia do massacre, Shan Sa chegou na praça e não encontrou seu grupo de amigas. Começou a conversar com um garoto e saíram os dois a passeio. Foi o dia em que Shan Sa deu seu primeiro beijo. Ao chegar em casa, no fim da tarde, abriu a porta e encontrou a mãe em prantos. Achava que a filha estava entre os mortos da praça da Paz Celestial.

         Acontecem mais algumas peripécias e Shan Sa decide que não mais ficará na China, no país que matou suas amigas, que no entanto só queriam o bem da China. Entre ir para os Estados Unidos, ela que sabia falar inglês, e ir para a França, ela que não sabia francês, escolheu ir para a França. Por que? Porque na França tinha certeza de que ia encontrar cultura, e nos Estados Unidos não, pensava a garota chinesa.

         Mas seu primeiro contato com Paris foi decepcionante. Não conseguia ver a “luz” da cidade, a “lumière” de que tanto falavam. O Jardim de Luxemburgo lhe pareceu pífio comparado aos jardins do imperador (da China). Shan Sa levou algum tempo para descobrir que no ocidente a arte se faz de medida e proporção. Só aí, então, entendeu o Jardim de Luxemburgo, Paris, a França e quase que todo o ocidente.

         Tanto que a menina poeta de Pequim sentiu vontade de escrever suas fantasias em língua francesa. O primeiro romance foi – imaginem – a  história de uma garota que sai a passeio com o namorado e não vê os horrores que, naquele dia, mancham de sangue a praça da Paz Celestial. Mas Shan Sa chegou a seu terceiro romance e está na televisão, diante de seu entrevistador, Bernard Pivot, que quer saber como é escrever romance e poesia numa língua que não é a materna:

– É uma luta com as palavras, ou contra as palavras?

A moça chinesa não tem pressa de responder:

– Não é luta, é espera. A gente fica esperando as palavras e elas não vêm. No meu primeiro livro, quando as palavras não vinham, eu preenchia os furos com palavras chinesas, depois ia ao dicionário buscar a tradução. Aí descobri outra coisa. Descobri que eu não sabia a música das palavras em francês. Em chinês as palavras são pinturas, em francês são música, e eu não sabia a música. Mas agora aprendi. Ainda escrevo com alma chinesa, mas em francês.

Bernard Pivot na frente dela, e eu na frente da televisão, deixamos cair o queixo.

Um dos romances dela, A Jogadora de No, conta a história de uma garota que aprendeu que nenhum jogo se ganha ou se perde de todo. Em todas as perdas restam alguns ganhos. Em todos ganhos, ficam algumas perdas.

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