
Um dia um passarinho, que se chamava Passarim, estava voando distraído. Sei lá no que é que ele estava pensando. Devia estar com a cabeça nas nuvens.
De repente, do meio das nuvens, veio um ronco horroroso. Mais ou menos assim: vvvvrrrruuuummmm!!!! Mas muito mais forte.
Passarim pensou logo na bruxa, voando com a sua vassoura. Bruxa moderna, com vassoura de turbina.
Mentira minha. Passarim não teve tempo de pensar em nada. Despencou das nuvens e veio direto para o chão. Ainda bateu num galho de árvore e ploft!, se esborrachou num pátio, que nem bola murcha.
Na grama tinha três meninas brincando. Maria Helena, Heloisa e Ana Maria:
– Será que o Passarim pechou no avião?
– Será que ele caiu de susto?
– Será que foi a feia, com a vassoura?
Nenhuma das três sabia. Como é que podiam saber? Não andavam com a cabeça nas nuvens, que nem o Passarim. Só ele podia contar, quando acordasse.
Porque morto o Passarim não estava. Maria Helena apalpou o peito, ainda batia. Heloisa ergueu a pálpebra, não era olho de passarinho morto. Ana Maria escutou a respiração, Passarim respirava.
Só estava desmaiado.
– Vamos fazer respiração boca a boca?
– Boca a bico, tu queres dizer?
– Não precisa, não teve parada respiratória.
Isso de parada respiratória parece fala de médico. Mas quem é que disse que as três meninas não eram doutoras?
– Vamos acordar ele do desmaio.
– Com água fria na cabeça?
– Fazendo cheirar sal de amônia?
Não foi preciso. Passarim fez piu! piu!, para avisar que estava acordado
– Esse piu! piu! é de dor. Vamos fazer um exame.
Com muito cuidado, para não machucar mais, as meninas apalparam aqui e ali.
– Nada de mais grave. Só uma perna quebrada e um corte na cabeça.
– Que sorte! Não quebrou costela, nem asa.
– Nem teve comoção cerebral.
Uma das três meninas falava mesmo complicado. Ou era médica, ou enfermeira, ou tinha feito curso de primeiros socorros.
E Passarim estava precisando de muito socorro. De pronto socorro, quero dizer.
E ambulância?
Maria Helena fez padiola de uma folha de abacateiro, Heloisa saiu tocando a sirene e Ana Maria cuidava para não faltar oxigênio.
***
A pia da cozinha era a coisa mais parecida com sala de cirurgia. Mas não pensem que isso tinha virado brincadeira. As três meninas estavam muito compenetradas. Sabiam que a vida do Passarim estava nas mãos delas
Desinfetaram a pia e as mãos com álcool.
– Será que ele aguenta sem anestesia?
Passarim fez piu, piu.
Era sim ou era não?
– A mamãe tem éter. A gente faz o Passarim respirar, aí ele fica anestesiado.
– É melhor não arriscar.
– Pode ter uma parada cardíaca.
Parada cardíaca é quando o coração para de bater. Uma das meninas só falava difícil.
Resolveram fazer o curativo sem anestesia. É melhor não arriscar, quando não se entende muito. pelo menos não se pode arriscar com a vida dos outros. Passarim ia precisar de coragem..
– Primeiro a perna.
– Precisamos de uma tala de madeira.
– E de bandagem.
Com muito cuidado, puseram os ossos da perna do Passarim no lugar. Passarim nem piou. Ou era muito valente ou tinha desmaiado de novo. Na caixa de fósforos encontraram as talas de madeira. Puseram as talas com bandagem e esparadrapo. Parecia coisa feita por doutor, e dos bons. Passarim fez um piu!, bem baixinho. Não tinha desmaiado. Era mesmo corajoso o passarinho.
– Agora o corte na cabeça
– Água oxigenada, para limpar bem a ferida.
– E mercúrio-cromo, que não arde.
Limparam o corte com água oxigenada, passaram mercúrio-cromo com um cotonete, bem de leve. Enrolaram uma pontinha de algodão num pedaço de gaze de quase nada. Puseram uma pomada e prenderam com tiras bem finas de esparadrapo. Passarim nem abria os olhos.
– Vai sarar logo.
– Ele ainda é novo.
– Tem o organismo forte.
***
Na opinião das doutoras, o paciente podia ir logo para o quarto. Ajeitaram algodão numa cestinha e ali deitaram o passarim.
– Vai ficar sem alimento por vinte e quatro horas.
– É, só vai tomar água.
– Isso mesmo. Ele pode ter um pouco de febre.
Por via das dúvidas, resolveram que ficariam de plantão, pelo menos nas primeiras horas.
– Uma hora cada uma.
– A gente pode ler para passar o tempo.
– Só não pode se distrair.
Mas Passarim não deu trabalho. Teve um pouco de febre, porque respirava com o bico aberto. Mas a doutora de plantão pingava água com um palito, para ele não sentir sede.
No dia seguinte ela já abria os olhos e fazia piu!, piu!, mais animado. Trocaram o curativo da cabeça, mas não mexeram na tala da perna. A perna tinha que ficar imóvel, como se fosse engessada, até sarar.
Depois de três dias, Passarim tentou ficar de pé, e conseguiu. Não deram muletas nem andador para ele caminhar. Como é que um passarinho ia usar muletas ou andador? O que ele precisava era de uma boa vassoura de bruxa para voar. Mas onde conseguir uma, fora das histórias de fada?
Finalmente o Passarim ficou bom.
– Hoje vamos te dar alta.
– Já estás pronto para outra.
– E vê se não anda com a cabeça nas nuvens.
Passarim fez piu!, piu! e saiu voando.
As meninas abanaram para ele.
Não sei se ele voltou alguma vez para fazer uma visita. As meninas não me contaram.
Também não se ficou sabendo se ele tinha mesmo pechado no avião. Ou se despencou de susto e se machucou no chão, ou na árvore.
Passarim não era de muita conversa.
Ou não deu tempo de as meninas aprenderem a língua dele…
FIM