COBERTA DA ALMA

Quem leu minha novela O Caso da Caçada de Perdiz, ambientada nos Campos de Cima da Serra, deve ter ficado se perguntando de onde saiu a cena em que Pasúbio é aconselhado por Nhá Inácia a fazer uma “coberta d’alma”. 

A cena é a seguinte: Nhá Inácia acha que a alma do morto no crime que Pasúbio está investigando não está deixando o detetive em paz. Pasúbio deve então pedir para a família que dê a ele uma roupa completa do falecido para vestir, do calçado até o chapéu. Pasúbio deve também usar o nome do morto por sete dias. No sétimo dia, deve fazer uma reza com a família, um terço, uma ladainha. Aí pode pegar as roupas que usou e queimar no fogo. Pronto. Fica livre da alma do morto.

De onde saiu essa cena? É pura ficção ou tem alguma base real? Pois bem, vamos às fontes.

A primeira informação que me chegou consta dos Anais do Congresso de História e Geografia Sul-Rio-Grandense, realizado em 1935, por ocasião do centenário da Revolução Farroupilha. Nesse congresso, um pesquisador apresentou um trabalho sobre a “Coberta d’Alma”, dizendo que se tratava de uma tradição açoriana.

Trinta anos depois, outro pesquisador encontrou esse costume no município de Osório. Procurou por ele nos municípios da fronteira com Uruguai e Argentina e não encontrou vestígio. Concluiu então, também, que se tratava de uma tradição vinda dos Açores. Com o passar do tempo, e as mudanças de lugar, muitas variantes foram acontecendo. Mas parece inquestionável que sua origem é realmente açoriana.

Em 2005, integrando uma equipe que esteve pesquisando aspectos históricos e culturais nas duas margens do rio Pelotas, entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, dei de frente com a mesma tradição em Bom Jesus, em São José dos Ausentes e, do outro lado do rio, no município de Lages. Dona Naná, de Bom Jesus, foi uma das entrevistadas, dando detalhes do ritual. 

Quando escrevi essa novela, pouco tempo depois, na realidade estava desenhando quadros da vida e dos costumes da região dos Campos da vacaria. E uma tradição forte como essa tinha que entrar em cena. Desde Homero, as narrativas são feitas para mostrar detalhes que os manuais de História não registram, ou não percebem.

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