Foi Rabelais, o criador de Pantagruel, quem reabilitou o riso na cultura ocidental. Durante a Idade Média não se ria, o riso era considerado sinal de estupidez: de estultícia, como se escrevia na época. Rabelais, na contramão da Igreja e dos barões feudais, afirmou que “rir é humano”, expressão que entrou para a fala de todos os dias, e que “rir é o melhor remédio” para os males humanos, sejam eles físicos ou do espírito. Ele inventou inclusive um povo fictício, que chamou de Agélastes, que significa em grego “os incapazes de rir”.
Como a Idade Média ainda se prolonga dentro da modernidade e da pós-modernidade, não é da estranhar que ainda existam “agélastes”. Onde existe algum tipo de fundamentalismo, seja ele religioso ou político, lá estão eles brandindo ameaças contra os que não levam tudo a sério. Quando Jesus disse a célebre frase, “deixai vir a mim as criancinhas”, ele estava inovando, porque as religiões primitivas não permitem crianças rindo no espaço sagrado. Alguns anos atrás, houve uma confrontação entre Europa e mundo islamita por causa de uma charge humorística sobre a figura de Maomé. Rushdie, por causa dos “Versos Satânicos” e as brincadeiras nele contidas, foi sentenciado à morte por líderes islamitas. Agora, o presidente do Irã acaba de excomungar todo o ocidente, porque nele as pessoas acreditaram nas previsões de um polvo sobre os resultados do futebol. Sério como ele é, decidido a ter um mundo perfeito, foi incapaz de perceber que tudo isso não passou de uma grande diversão, que não era para ser levada a sério.
O retorno de Fidel Castro à cena, ressuscitado dos mortos, traz de volta à cena um outro tipo de “agélastes”: o fundamentalista político. Se ele e seus seguidores me permitirem uma frase de humor, Fidel acaba sendo o último estalinista sobrevivente no planeta, depois que o estalinismo em que ele se escorou sumiu há mais de 20 anos. E o estalinismo foi um regime político extremamente sério. Ninguém na União Soviética podia se arriscar a fazer piada com nada que fosse assunto de governo. Exatamente como na Ilha de Fidel. Reinaldo Ariel, escritor cubano que contestou o regime, deixou escrito em seu imperdível livro “Antes que Anoiteça”: “Uma das características mais lamentáveis de todas as tiranias é que levam tudo a sério e fazem desaparecer o senso de humor. Historicamente, os cubanos sempre fugiram da realidade através da sátira e da zombaria, mas com o advento de Fidel castro o senso de humor foi desaparecendo até ser totalmente proibido”.
Arenas experimentou isso na carne, literalmente. Ele e todos os que tiveram coragem de rir de ditadores. Aqui no Brasil não foi diferente, durante os anos de chumbo da ditadura militar. Onde o riso morre, instala-se o autoritarismo, e vice-versa: onde houver um autoritário, seja em nome de que princípio for, o riso desaparece.