A Páscoa e seus símbolos

Os estudos de antropologia histórica têm mostrado que a Igreja, à medida em que catequizava os mais diversos povos e etnias, levava a eles seus ritos e símbolos. Mas também ia incorporando à sua liturgia ritos e símbolos enraizados em cada cultura.

Os dois eventos cristãos mais marcantes, o Natal e a Páscoa, foram também os dois que mais foram enriquecidos em seus rituais, a partir do século X. No Natal, o símbolo mais marcante é, sem dúvida, a árvore. Na Páscoa, os ovos e o coelho ocuparam o espaço simbólico em definitivo.

A maior parte das tradições de cunho folclórico, em especial no Norte da Europa, estava ligada à mudança das estações. O dia de Natal coincidia com o forte do inverno nesse hemisfério, e a celebração da Páscoa ocorria no início da primavera. Transferir os símbolos do renascimento primaveril para serem símbolos da ressurreição de Cristo foi um processo realizado sem conflitos.

coelho, na primavera, saía da toca onde ficara hibernando para iniciar a fase de reprodução. Também os ovos sinalizavam um início, ou reinício de vida, ao romperem a casca e mostrarem um ser vivo lá escondido, como se estivesse debaixo da campa do sepulcro. Na região germânica havia o ritual de pintar ovos para serem dados de presente no final de cada inverno, como uma maneira de desejar uma feliz volta à vida.

Não é difícil entender por que esses rituais pagãos ganharam novo significado dentro do cristianismo, até porque uma maneira de atrair a atenção das pessoas em processo de evangelização era o de não romper de todo com seus usos e costumes, também no plano dos símbolos e crenças.

Um exemplo disso é o símbolo do peixe, que tem raízes no evangelho, em vários de seus episódios, a começar por Pedro o Pescador, e é visto na tradição popular como um ser capaz de multiplicar a vida de modo infindável. A celebração da Semana Santa com o convite ao consumo do peixe tem um profundo cunho mitológico, além do religioso.

Outro exemplo da mescla da cultura popular com a religiosa pode ser encontrado no duplo provérbio de origem vêneta, em que é feita a previsão do tempo na semana da Páscoa:Sole nei rami, piova nei óvi e o seu reverso, Piova nei rami, sole nei óvi. Traduzindo: se der sol no domingo de Ramos, chove no domingo de Páscoa, e vice-versa: chovendo no domingo de Ramos, o sol abre no domingo de Páscoa. Nem sempre a previsão funciona, tanto que há provérbios também ligando a previsão do tempo como uma forma de mentira…

No meu imaginário, e também nos meus sentidos, a Páscoa se associa com o outono, como ocorre em nosso hemisfério. Não é celebração de um reinício de vida, como a do coelho, mas a degustação de um fruto maduro, como digo nestes meus versos sobre o outono (e, portanto, sobre a Páscoa!):

Ir para as sombras, sim,

mas sabendo pelos sinais

quando a hora se aproxima

dos frutos maduros e dourados.

E sabendo-se a hora

poder concentrar-se no sumo

– como o fruto, o pão assado –

cientes de que tudo,

quando doura, no limite

de si e de sua grandeza

é afinal chegado.

Um final que pode ser também um reinício.

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