Perguntaram a um sujeito, que todos tinham na conta de ser um cara feliz: “Qual é a tua receita de felicidade?” Ele respondeu: “Muito simples: não penso nos problemas de amanhã, vivo um dia por vez”. A mesma pergunta foi feita a um outro, também considerado feliz, e a resposta foi: “Penso que amanhã ainda vou ter problemas para resolver, isso me anima a não entregar os pontos hoje”. Existem outras versões da historieta. O primeiro teria respondido: “Penso que amanhã pode ser pior, então não me queixo de hoje”. E o outro: “Penso que amanhã pode ser melhor, e por isso suporto o dia de hoje, numa boa”.
Quer dizer, se existe um assunto em que parece haver mais divergência do que concordância é esse do caminho da felicidade. Agora fico sabendo que a ciência resolveu entrar em campo para aviar, finalmente, uma receita de como ser feliz. Há quem não dê à ciência mais crédito do que a qualquer outra superstição. Mas há os que crêem piamente que a ciência resolve todos os problemas, e pode portanto resolver também este, o mais antigo da humanidade. Não fico com uma nem com outra opinião, porque as duas têm sólidas razões para se sustentarem.
Mas parece que a tarefa dos cientistas não está sendo fácil. Primeiro, é meio complicado estabelecer um consenso sobre o que se deve entender por felicidade. Digamos, de modo provisório, que ser feliz signifique estar de bem com a vida, que parece ser a opinião geral. Nesse caso, o estar de bem depende de componentes químicos, do genoma ou de uma atitude mental? A discussão continua, pelo visto, do mesmo jeito que começou.
Como não posso esperar pela solução científica, continuo adotando uma receita que, mesmo usada por um sujeito indisciplinado como eu, sempre dá algum resultado. É aquela do evangelho: “Ama a teu próximo como a ti mesmo”. Examinando bem a frase, ela sugere duas coisas: primeiro, querer bem a si e, nessa medida, querer bem aos outros. Quer dizer, o começo de tudo é gostar de si próprio. A experiência, aliás, demonstra isso mesmo, quem não gosta de si acaba sendo um grande chato com os outros. A insatisfação consigo próprio se esparrama ao redor, num contágio de peste. E uma vez espalhada a peste, o ambiente fica irrespirável.
Mas a receita só é simples na aparência. A grande questão é descobrir o que é gostar de si mesmo, com tantos motivos, que todos temos, para nos desgostar. Quem pensou no assunto, dos poetas aos filósofos, dá esta dica: é a gente tratar de não se incomodar com os próprios limites. Se possível, rir um pouco deles. Quem consegue rir de si mesmo está salvo. Quem não consegue rir de si, só vai rir dos outros, e aí está feita a desgraça. Claro que o mundo está cheio de tragédias, algumas grandes, outras que só parecem grandes. Mas ter olhos apenas para o lado trágico da vida é, no fundo, presunção: não há nenhum motivo razoável para nos levarmos tanto a sério.